Greve dos Roteiristas 2023: entenda mobilização e veja produções ameaçadas
Os roteiristas dos EUA, representados pelo WGA, entraram em greve em maio; entenda tudo sobre o movimento, que afeta séries e filmes, e veja expectativas para o futuro
Por Luísa Silveira, para o TechTudo

A greve dos roteiristas nos Estados Unidos já dura mais de dois meses e ganhou novo capítulo, na última quinta-feira (13), com a junção do sindicato dos atores ao movimento. Os escritores iniciaram a greve em 2 de maio, exigindo salários mais justos e melhores condições de trabalho, principalmente na área do streaming. Desde então, produções e trabalhos de divulgação de dezenas de séries, filmes e programas de TV foram interrompidas ou alteradas. O movimento já ganhou apoio de muitos nomes de Hollywood, como os Duffer Brothers, criadores de Stranger Things, que se recusaram a gravar a quinta e última temporada sem a presença dos roteiristas.
O posicionamento foi acompanhado por outras figuras do mercado, como a co-criadora de Yellowjackets, Ashley Lyle, e Noah Baumbach, roteirista de Barbie. Em relação à greve dos atores, os protagonistas de Besouro Azul e Oppenheimer já anunciaram que não vão participar da divulgação dos filmes até que um acordo seja feito. Confira tudo o que você precisa saber sobre o movimento, que está interferindo nas maiores produções de Hollywood.

Quais são as instituições envolvidas na greve?
Um ponto importante para entender os movimentos do sindicato dos roteiristas e dos atores é compreender quem são as instituições envolvidas. Primeiramente, há o Writers Guild of America (WGA), que representa cerca de 11,5 mil escritores e roteiristas nos Estados Unidos. O grupo declarou greve em 2 de maio de 2023, com cerca de 97,85% de aprovação dos membros.
O principal alvo das reclamações e reivindicações do WGA é a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), que manifesta o interesse de estúdios, streamings e empresas de entretenimento. Na lista de representados pelo grupo estão Netflix, Disney, Amazon Prime Video, HBO Max, Paramount Pictures, Universal Pictures e Warner Bros. Emissoras de TV, como ABC, Fox e CBS, também estão na aliança.
Outro grupo importante, que declarou estado de greve na última quinta-feira (13), foi o Sag-Aftra, originado da união entre os grupos Screen Actors Guild e American Federation of Television and Radio Artists. Ao todo, são mais de 160 mil membros, incluindo atores, dubladores, apresentadores e influenciadores.

Por que os roteiristas entraram em greve?
A greve do WGA foi iniciada em 2 de maio, após o grupo não conseguir chegar em consenso com AMPTP sobre novo acordo entre as classes. O último, que durou três anos, expirou em 1º de maio.
Entre as principais demandas, votadas pelos próprios roteiristas e escritores, estão: pagamentos mais justos, principalmente para as produções em streamings, melhoria na rotina de trabalho, com a possibilidade de acompanhar as gravações após finalizado o roteiro, e maior regulamentação de ferramentas de Inteligência Artificial. Entenda mais sobre cada uma delas.
- Pagamento residual e horas de trabalho
Com o advento do streaming, muitas mudanças aconteceram na rotina de produção de séries e filmes. Apesar de algumas alterações serem consideradas positivas para o fluxo criativo do funcionário, como a inexistência de intervalos comerciais, outras foram nocivas à classe, principalmente referente aos salários e ao nível de trabalho.
No modelo tradicional, há o pagamento residual, que garante que atores e membros da produção recebam toda vez que um episódio ou filme é reprisado na TV. No streaming, pessoas de todo o mundo podem conferir quantas vezes quiserem o mesmo título, mesmo que não haja pagamento para os trabalhadores envolvidos na obra.
Uma das demandas, portanto, é maior transparência entre os streamings e seus funcionários, além de um cálculo de pagamento residual justo para garantir que a equipe irá lucrar com o sucesso do trabalho, assim como a empresa. Uma prova do problema são os dados levantados pelo site The Guardian, que mostram que a receita dos estúdios subiu quase 40% nos últimos 10 anos, enquanto o salário médio dos roteiristas caiu 4%.

Além disso, séries que iam ao ar durante todo o ano, de setembro a maio, também não são mais regras do mercado. As temporadas também, que chegavam a mais de 20 episódios, estão cada vez menores. Assim, quem trabalha no meio corre mais risco de ficar desempregado ao longo do ano.
“O que costumava ser 40 semanas de trabalho por ano, transformou-se em 20. Então, em vez de encontrar um emprego por ano, temos que encontrar diversos empregos para manter a renda que tínhamos anteriormente”, afirmou a roteirista Julia Yorks, em entrevista à Vox.
- Writers room e rotina de trabalho
Outro ponto se refere ao writers room, ou seja, o espaço em que os roteiristas se juntam e trocam ideias e opiniões sobre o trabalho. Hoje em dia, o termo mais usado é mini-rooms, pela diminuição de pessoas contratadas para cada título. Além disso, para reduzir os custos das produções, os roteiristas são pagos apenas pela pré-produção, sem poderem interferir na gravação e na pós-produção.
De acordo com fontes ouvidas pela Vox, isso é algo problemático, já que quem escreveu as falas deveria poder interagir em todas as etapas, realizando possíveis mudanças durante as gravações. Um exemplo, citado pela GQ, é a série da Netflix, Treta. O mini-room foi finalizado antes da série ser concluída, deixando o criador Lee Sung Jin sozinho para a gravação do último episódio.
Outra questão é que, com a falta de envolvimento em outras etapas, torna-se mais difícil ganhar experiência e garantir que profissionais iniciantes subam para cargos mais altos. “Parece que o lugar preferido das produtoras para diminuir os custos é roubando a criatividade dos roteiristas e impedindo que as pessoas ganhem experiência, para se tornarem showrunners”, aponta a criadora Erica Saleh para Vox.
- Regulamentação da Inteligência Artificial
Por fim, a regulamentação de mecanismos de IA nos roteiros de séries e filmes também é algo levantado pelo grupo. Os profissionais do sindicato desejam que as ferramentas não sejam usadas na criação e em adaptações de produções, além de garantir que o seu trabalho autoral não seja utilizado para treinamentos da tecnologia. Em resposta, a AMPTP prometeu considerar reuniões anuais para tratar os avanços tecnológicos, de forma geral.
Além do pagamento residual, o uso de IA também é um tema em comum entre o WGA e o Sag-Aftra. De acordo com o The Guardian, o Presidente do sindicato dos atores, Duncan Crabtree-Ireland, afirmou que já houveram propostas de estúdios para digitalizar as feições e vozes de artistas, permitindo que as produções usassem a imagem para títulos futuros, sem autorização e pagamento ao elenco.

Séries, filmes e programas afetados pela greve
Com as medidas e recomendações do sindicato em período de greve, diversos programas, séries e filmes — da televisão ou do streaming — já foram afetados. Adiamentos de gravações, impossibilidades de edições em roteiros já feitos e mudanças nos cronogramas de divulgação de lançamentos são alguns exemplos do que está acontecendo.
Confira a lista de principais títulos impactados pelas mudanças nos Estados Unidos:
Séries
- 2ª temporada de The Last of Us;
- 5ª temporada de Stranger Things;
- 3ª temporada de Euphoria;
- 2ª temporada de A Casa do Dragão;
- 3ª temporada de Yellowjackets;
- 3ª temporada de Abbott Elementary;
- 4ª temporada de Emily em Paris;
- 6ª temporada de The Handmaid’s Tale;
- 12ª temporada de American Horror Story;
- 22ª temporada de Family Guy;
- 8ª temporada de Outlander;
- The Penguin;
- Blade Runner 2099;
- Daredevil: Born Again;
- 6ª Cobra Kai.

Filmes
- Barbie;
- Besouro Azul;
- Oppenheimer;
- Moana;
- Alien;
- Títulos da Marvel: Blade, Capitão America: irável Mundo Novo, Thunderbolts e Deadpool 3 tiveram lançamentos adiados entre seis meses e um ano;
- Saga de Avatar: Avatar 3 ou de dezembro de 2024 para o ano seguinte, em dezembro de 2025. As próximas sequências, Avatar 4 e 5, sofreram atrasos ainda maiores, indo de 2026 para 2029 e 2028 para 2031, respectivamente.

Programas ao vivo, de notícias ou entrevistas
- Saturday Night Live;
- Jimmy Kimmel Live!;
- The Tonight Show Starring Jimmy Fallon;
- The Late Show with Stephen Colbert;
- Late Night with Seth Meyers;
- Real Time with Bill Maher;
- Last Week Tonight with John Oliver.
Premiações e eventos
O Tony Awards 2023 aconteceu em 11 de junho, com Ariana DeBose. Porém, as falas da atriz, assim como as apresentações das categorias, não foram roteirizadas. Alguns artistas improvisaram em cima do palco.
O MTV Movie & TV Awards 2023 seria apresentado por Drew Barrymore, mas a atriz foi retirada, em apoio ainda às greves dos roteiristas. O evento aconteceu em 7 de maio, apresentando apenas compilados de clipes antigos.
Já o Emmy Awards 2023 revelou suas indicações recentemente, apesar das manifestações que estão acontecendo na classe artística. A premiação está marcada para 18 de setembro, porém, veículos internacionais, como o New York Times, acreditam que o evento será adiado.
Greves de roteiristas e os impactos no ado
Essa não é a primeira greve dos roteiristas em Hollywood, porém, a última aconteceu há mais de 15 anos. Em 2007, o grupo sindical se reuniu em um movimento que durou cerca de 100 dias, exigindo que todas as transmissões online, algo ainda relativamente novo no mercado, fossem cobertas pelo salário mínimo básico, estabelecido em acordo com a WGA.
Outro ponto marcante sobre a greve de 2023 é que é a primeira vez que roteiristas e atores se juntam nos protestos, desde 1960. Na época, as exigências falavam sobre a criação do pagamento residual, com as transmissões posteriores do trabalho. Em relação aos roteiristas, também foi negociado pagamento retroativo, referentes a filmes e séries lançados antes de 1960.
O WGA também entrou em greve em outros momentos da história, como em 1973, 1981 e 1988, com pautas que, sobretudo, falavam sobre o aumento do pagamento residual e a expansão dos direitos autorais das obras criadas.

Como estão as negociações e expectativas para o futuro
Os sindicatos não esperam uma negociação tranquila com os representantes dos estúdios. Inclusive, algumas propostas da AMPTP foram recusadas pelo grupo anteriormente, como oferecimento de “estágio não remunerado” para roteiristas iniciantes visitarem os sets de filmagem. De acordo com o Deadline, executivos e produtores não se mostram interessados em negociar com os trabalhadores.
Uma fonte exclusiva do veículo, ouvida pelo jornalista Dominic Patten, afirma que o plano é permanecer da mesma forma até outubro, mês calculado para deixar “a maioria dos roteiristas sem dinheiro”. Assim, seria mais fácil exigir o retorno ao trabalho. A assessoria da AMPTP, entretanto, negou que essa seja a intenção dos empresários.
Se as negociações não caminharem ao longo das próximas semanas, a jornalista Natalie Jarvey, da Vanity Fair, cita a possibilidade dos diretores, representados pela Directors Guild of America, também entrarem em greve. A instituição é conhecida por não participar de movimentos similares, com apenas uma greve rápida em 87 anos de história. Entretanto, sem roteiristas e atores, as possibilidades de trabalho para os diretores são praticamente nulas.
Com informações de Deadline (1 e 2), GQ, Hidden Remote, Hollywood Reporter, L.A Times, Reuters, The Guardian (1, 2 e 3), The New York Times (1 e 2), TV Insider, Variety (1, 2 , 3 e 4), Vanity Fair e Vox