Doramas: como as séries asiáticas viraram 'febre' entre pessoas idosas
Seriados asiáticos, que ficaram populares no Brasil, caíram "nas graças" de pessoas 60+ com tramas leves e divertidas; veja histórias
Os doramas são um sucesso em plataformas de streaming como Netflix, Amazon Prime Video e Max (antiga HBO Max). Essas séries asiáticas vêm ganhando adeptos no mundo inteiro nas últimas décadas, quando tiveram um verdadeiro boom de popularidade e aram a ser assistidas no mundo todo. Hoje, elas são parte importante dos catálogos dos streamings e oferecem histórias de todos os gêneros, sendo especialmente populares com comédias românticas como Sorriso Real (2023) e dramas policiais, como Round 6 (2020). Este último, inclusive, é o título mais assistido da Netflix de todos os tempos.
O que muitas pessoas não sabem, no entanto, é que a popularidade independe da faixa etária. Por estarem associados ao sucesso de grupos de k-pop e até terem astros das bandas nos elencos, é comum supor que essas histórias são consumidas exclusivamente pela geração Z. No entanto, elas são uma verdadeira febre entre as pessoas idosas, que se aventuram pelos streamings para assistir às tramas leves e desenvolvem relações emocionais com eles.

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Doramas: histórias para todas as idades
Juventude, entretenimento e saúde mental. Essas são as três palavras que Suzy Lopes, de 59 anos, usa para definir a relação que construiu com os doramas - séries televisivas dramatizadas vindas de países asiáticos. Em entrevista ao TechTudo, ela contou que sempre gostou dos filmes e animações ocidentais, mas a relação com os doramas especificamente surgiu em 2015, quando ela precisou superar um momento difícil: a morte de sua avó.
Na época, ela buscava, na Netflix, um seriado para ocupar a mente. Até então, ela nunca havia tido contato com os doramas, mas quando viu um anúncio na plataforma, ficou curiosa por conta da letra coreanas (hangul), que não reconheceu de imediato. “Fiquei me perguntando que letra era aquela e fui assistir ao seriado para tentar descobrir. A série era Lie To Me, e eu assisti a 21 episódios naquela noite”.

Depois daquele dia, Suzy começou a procurar em todos os lugares por mais produções coreanas, o que se tornou uma verdadeira paixão com o tempo – paixão esta que resultou em um canal no YouTube onde fala sobre doramas e k-pop, criação de conteúdo no Instagram e até mesmo em uma viagem para a Coreia do Sul. Esta última, ela ganhou ao participar de um desafio mundial do governo Coreano e divulgado pelo TikTok. "Eu fui a única brasileira selecionada. Foi mágico", comemorou.
Hoje, ela entende os seriados como um refúgio, e tem uma relação de gratidão com essas obras, que as ajuda a lidar com a síndrome do pânico e crises de ansiedade. “Eu encontrei um lugar de conforto com elas. Os doramas me ajudam muito com a saúde mental, tanto que consegui viajar para a Coreia e não tive crises.”
O sucesso dos doramas no Brasil
Os doramas são fruto de um forte investimento financeiro em produção cultural por parte do governo da Coreia no final dos anos 90. Foi nesse período que aconteceu a chamada Hallyu. A palavra é um neologismo formado por "Han" (que significa "Coreia" em tradução para o português) e "Ryu"(corrente; tendência) e, por aqui, virou a "onda coreana". Depois de uma série de investimentos públicos e privados, principalmente na indústria do entretenimento sul-coreana, o movimento começou a se espalhar.
Segundo a jornalista e pesquisadora Ana Carolina Modesto, a força das telenovelas asiáticas foi impulsionada de maneira geral pela cultura geek do Japão, que já era forte nos anos 90. Entretanto, o boom das novelas em outros territórios também está diretamente relacionado à ocidentalização dos roteiros, que começou nessa época. "As tramas das novelas coreanas traziam muitas questões específicas, como diferenças de classes sociais e status. Mas, as discussões foram ficando mais abrangentes para que o produto também fosse comprado por outros países além da Coreia", contou. A Internet também teve um papel importante na divulgação dessas obras.

Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Cultura, Esportes e Turismo brasileiro em 2020 aponta o país foi o terceiro dentre os que mais consumiram os seriados no período da pandemia - ficou atrás apenas de Malásia e Tailândia. Já em 2023, os doramas tiveram três representantes entre os títulos mais assistidos da Netflix no Brasil: A Lição (2022) com 622,8 milhões de horas visualizadas; A Batalha Dos 100 (2023), com 235 milhões, e Intensivão do Amor (2023), com 234,8 milhões.

De acordo com dados da Fundação Coreana para o Intercâmbio Culutral Internacional (Kofice), as exportações relacionadas aos produtos culturais do país chegaram a alcançar US$ 11,69 bilhões (algo em torno de R$ 67 bilhões) em 2021. E, quando o assunto são os doramas, o Brasil está entre as nações com maiores taxas de consumo.
A plataforma Rakuten Viki fez um estudo em 2021 sobre o perfil dos s brasileiros a pedido do jornal O Globo. Na época, ficou constatado que 77% são do sexo feminino e 53% tem faixa etária entre 13 e 18 anos. O jornal fez o mesmo pedido ao Kocowa, que indicou que 84% dos usuários cadastrados têm menos de 44 anos. Mas, ados três anos desde a pesquisa, o perfil do público vem sofrendo uma alteração: cada vez mais, as pessoas idosas também consomem esses conteúdos.
Doramas: por que tão amados pelas pessoas idosas?
Suzy acredita que as tramas dos doramas são especiais por permitirem que quem os assiste se coloquem no lugar dos protagonistas sem sofrer nenhum tipo de julgamento. My Love From The Stars (2014), série favorita de Suzy, por exemplo, conta a história de uma humana que se apaixona por um alienígena. Esse tipo de romance fantástico faz com que ela se sinta, em suas palavras, "rejuvenescida".
“O k-pop e o k-drama trazem a juventude através de sentimentos. E eu acho triste que algumas pessoas não consigam enxergar isso. Acredito que as mulheres mais velhas precisam desse tipo de conteúdo. Às vezes, só queremos sentar na frente da TV e assistir a algo leve e deixar nossa imaginação fluir. É um descanso.”
De acordo com Ana Carolina Modesto, a leveza das narrativas é uma das características que torna os doramas tão atrativos – e um dos pontos que os diferenciam das séries de Hollywood, por exemplo. As histórias ingênuas, com protagonistas que se envolvem em tramas sem preocupações e com uma relação dita como diferente com o afeto, costumam ser bem aceitas. "Os doramas de romance e os de aventura estão entre os que mais fazem sucesso. E nos romances, o público vê uma forma diferente de demonstrar amor e até mesmo sexualidade. Enquanto nas séries americanas, no primeiro episódio, o casal já está junto, nos doramas, às vezes o processo demora sete, oito episódios para chegar a um beijo", contou.
Embora sejam abrangentes, as narrativas leves dos doramas são "queridinhas" do público. Não à toa, essa característica também foi apontada por Rose Cattani, que tem 67 anos e é outra amante do gênero, como um destaque. Natural de Porto Alegre, ela contou ao TechTudo que o primeiro contato com as produções asiáticas ocorreu de forma casual, enquanto procurava algo para assistir na Netflix. Por não gostar de séries com temáticas pesadas ou que poderiam deixá-la pensativa, ela começou a assistir aos doramas. “Eu gosto de ver essas coisas românticas, com assuntos de família e bem atuais. Algo leve”.
Mas, vale informar que os doramas estão longe de retratar apenas romances -- essas obras também são diversificadas em termos de gêneros e narrativas. Há produções para todos os gostos: da comédia romântica ao terror. Essas séries também são vastas ao apresentar histórias de época, fantasias, suspenses e thrillers policiais cheios de tensão. E elas estão disponíveis tanto em plataformas de streaming mais tradicionais, como Netflix, Amazon Prime Video, Max e Disney+, quanto em serviços dedicados exclusivamente aos doramas e filmes asiáticos, como o Rakuten Viki, o Kocowa e o iQIYI, este último recém-chegado no Brasil.

Para Ana, um dos motivos pelos quais as pessoas idosas estão aderindo aos doramas é a forma com que eles representam outras pessoas dessa faixa etária. A pesquisadora chama a atenção para o fato de que, nos países de onde essas as obras vêm, a relação com os 60+ é diferente, o que faz com que eles sejam tratados com mais respeito do que nos países ocidentais. E isso também aparece nos doramas, o que pode ser um atrativo para pessoas idosas.
"Nos doramas coreanos, os mais velhos costumam ser retratados como responsáveis e carismáticos. É comum que sejam personagens engraçadas, ou tenham uma história de vida difícil. Há muitas matriarcas e as séries exploram as relações familiares. Nesses países, até a forma de chamar essas pessoas é diferente, o que pode acabar chamando a atenção porque é bem diferente do que acontece no Brasil".

O o às plataformas
De acordo com uma pesquisa do IBGE de 2023 sobre os hábitos e o perfil de quem usa a Internet, 87,2% das pessoas no Brasil com mais de 10 anos estão online. Destas, 88,3% utilizam a rede para ter o a programas para assistir a vídeos, incluindo filmes e séries. Outro dado interessante: o percentual de pessoas idosas que utilizam a Internet subiu de 24,7% em 2016 para 62,1% em 2022. O grupo foi o que teve maior crescimento nesse período.

Para Suzy, o fato dos doramas estarem alocados em plataformas online não impacta negativamente o seu consumo. Além de não ter dificuldades para encontrar os títulos no streaming, a maior parte do consumo dela é feito pelo celular. “70% a 30% em comparação com a TV”, detalha. Suzy utiliza todas as plataformas que disponibilizam doramas e, embora assista à maioria dos doramas sozinha, ela também partilha do gosto com a irmã e a mãe que, segundo ela, já assistiu mais de 400 títulos.
Rose também não tem problemas para assistir aos doramas nas plataformas online, ainda que o seu consumo fique mais à Netflix. Como Suzy, ela também gosta de partilhar as histórias por mensagens com as amigas pelo celular. “A gente fala das tramas e fazemos indicações uma para a outra enquanto assistimos", contou.

De acordo com o co-fundador da Tech do Bem, startup voltada para o o e empoderamento por meio da tecnologia, Raphael Santos Marques, existe um estereótipo equivocado de que pessoas idosas não são capazes de se adaptar às novas tecnologias – e isso pode levar à exclusão digital. Mas, na leitura dele, embora a curva de aprendizado tenda a ser mais íngreme para esse público, quando adequadamente introduzidas, as tecnologias trazem benefícios para os 60+. “As plataformas de streaming, por exemplo, podem oferecer entretenimento ível e personalizado. E o e é a chave para isso acontecer”.
O apoio, para Raphael, não termina na tarefa de ensinar e ajudar quando há dúvidas – também é preciso criar ambientes onde essas pessoas se sintam bem-vindas e onde se reconheçam como pertencentes àquele lugar. E, quando o assunto é o pertencimento, os doramas, como vimos com Suzy e Rose, podem ser uma excelente ponte para trazer mais pessoas idosas às plataformas de streaming.
Conheça o Tech60+
O Tech60+ é uma iniciativa editorial do TechTudo que busca exaltar o protagonismo da pessoa idosa na tecnologia, além de defender e promover o letramento digital. Durante o mês de outubro de 2024, uma série de reportagens apresenta histórias de homens e mulheres com 60 anos ou mais que usam a tecnologia no dia a dia — e valorizam este uso.

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Com informações de O Globo, Ecommerce Brasil, BBC e Netflix
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